terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

"Ele é um tremendo cachaceiro"

Revista Época (Gastronomia) 27/01/2012

Reportagem:Natalia Spinace

Fotos:Rogério Cassimiro

Sem ofensa. A cachaça nacional saiu do reduto dos botecos e conquistou restaurantes e degustadores de alta classe 

 ESPECIALISTA Leandro Batista no restaurante Mocotó, em São Paulo. O ex-garçom virou sommelier da bebida (Foto: Rogério Cassimiro/Época)

  Pinga, cachaça, marvada, teimosa, quebra-goela, meu consolo, tome juízo, tira-teima. De acordo com o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, existem mais de 500 denominações para a mais brasileira das bebidas. No livro recém-lançado Cachaça (editora Terra Brasil), de Araquém Alcântara, Fernando Henrique diz que só bebia na companhia de sua mulher, Ruth Cardoso, “que vez ou outra gostava de uma pinguinha”. Foi ele quem assinou o decreto que tornou essa bebida oficialmente nossa. A Lei nº 8.918, de 1994, determina que para ser cachaça o destilado tem de ser produzido em solo brasileiro, com teor alcoólico de 38% a 48%. A preocupação do ex-presidente em proteger essa invenção brasileira antecipava o sucesso que a marvada faria no Brasil e em todo o mundo.

Existem hoje 4 mil marcas de cachaça e 40 mil produtores. Só em 2011, o Brasil exportou 14 milhões de litros de pinga. Por trás desses números está o esforço das produtoras em mudar a imagem de bebida de baixa qualidade que a cachaça tinha no passado. Elas investiram em embalagens sofisticadas, campanhas de marketing e na qualidade do destilado. A indústria de cachaças de alta qualidade conta com processos especiais de destilação e envelhecimento e reconhecimento internacional. A mineira GRM, vendida sob encomenda, ganhou medalha de ouro em um dos concursos mais importantes nos Estados Unidos, o San Francisco World Spirits Competion. A Weber House, uma cachaça envelhecida em barris de carvalho e bálsamo, ganhou quatro vezes medalhas de ouro e prata no Mundial Hyatt Cachaça Awards, de Bruxelas, na Bélgica.

Ser consumidor das cachaças exclusivas sai caro. Um litro da tradicional Anísio Santiago custa R$ 900. Em Salinas, Minas Gerais, onde é produzida, ela é usada como moeda. O fabricante paga os funcionários com garrafas da bebida para ser trocadas no comércio local. A Velho Barreiro criou a Diamond, uma versão para colecionadores engarrafada num litro cravejado de diamantes e ouro que custa R$ 212 mil.

A cachaça também conquistou espaço entre os jovens. Marcas como Sagatiba e DJ Cachaça concentram suas campanhas nesse público. “A cachaça hoje é vista como uma bebida descolada”, diz Leandro Batista, sommelier de cachaça do restaurante Mocotó. A produtora audiovisual Gabriela Barreto conheceu a bebida na faculdade. O gosto pela caninha fez Gabriela virar uma especialista e criar um site sobre o tema, o Mapa da Cachaça. “Bebo mais de uma vez por semana para fazer críticas.” O rejuvenescimento dos bebedores de pinga mudou o perfil de festivais regionais de cachaça. O de Paraty, Rio de Janeiro, que completa 30 anos, sempre foi frequentado por moradores da região. Isso mudou. “Hoje, recebemos pessoas de outros Estados, e a maioria do público é jovem.” Nos últimos dois anos, o evento superou em público a badalada Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), chegando a 35 mil participantes.

Assim como a bebida tem muitos nomes, o título dos especialistas tem variações. Cachaciers, cachaçólogos, sommeliers da cachaça ou simplesmente cachaceiro. Há pouco tempo, virar especialista dependia de esforço individual de conhecer as diferenças entre destilação e armazenamento. “Para me tornar um cachacier, frequentei alambiques, estudei química e agronomia”, diz Maurício Maia, especializado na bebida. Hoje, há cursos que reúnem essas disciplinas, como o de produtores de cachaça, criado pelo Senac Belo Horizonte. “Produtores reclamam da falta de mão de obra qualificada. A ideia é formar um produtor que entenda do plantio da cana até a comercialização”, diz Hans Eberhard Aichinger, coordenador do Senac. O cachaceiro nunca foi tão valorizado.

Como degustar (Foto: revista ÉPOCA/Reprodução)

  É da boa ou não é?

O que difere uma cachaça de uma aguardente e o que define sua qualidade Aguardente de cana x cachaça Aguardente é qualquer bebida destilada com alto teor alcoólico. Toda cachaça é uma aguardente de cana, mas nem toda aguardente de cana é cachaça. Ao adicionar um ingrediente, como mel ou limão,
ela não é mais cachaça

Qualidade


 A cana usada e os processos de fermentação e destilação determinam a qualidade da cachaça. A cachaça boa tem de ser límpida, sem gosto de álcool, com sabor agradável (sem queimar a garganta). Não deixa hálito nem dá ressaca

Os tipos de destilação


 Existem dois processos: de alambique (artesanal) e de coluna (industrial). As cachaças de melhor qualidade normalmente são as destiladas em alambique. Esse processo é mais lento, feito com volume menor e com maior controle

O envelhecimento


 Diferentemente de outros destilados que só envelhecem em barris de carvalho, a cachaça pode envelhecer em até 24 tipos de madeira, como bálsamo, jequitibá e freijó. Isso altera sua cor (normalmente são as cachaças mais amareladas), seu sabor e seu aroma.

 

 

 

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